terça-feira, 12 de abril de 2011

Eram três da manhã, sua bexiga urinária doía constantemente na metáfora de quase explodir. Estava tudo completamente preto. Não se via mais nada além dos número vermelhos. Rubro neon bem fininho que saía do rádio-relógio que ficava no lado esquerdo da cama como um semáforo aos olhos estafados no silêncio noturno. Olhos de semáforo. Olhos de sonífero entorpecente. Estrondos consecutivos na madeira velha no tempo. Tempo de um segundo e meio seguindo. Gabriella se chocava. Se chocava tanto tanto com a cena  daquele momento que tinha esquecido que teve um dia ridículo. E que levou um tapa na cara de uma menina esnobe de sua série passando a humilhação em silêncio. Houve uma excursão da escola. Era para se divertir. Não tinha amigos para fazer companhia. Então se lembrou que já nunca teve isso em nenhum momento. Chegou em casa de carro com seu pai dizendo que foi divertida a excursão. Não falou da humilhação. Chegou em casa. Jantou porcaria. Sobremesa de comprimido. Tomou banho quente. Se deitou. Era uma casa muito pequena. Gabriella dividia o quarto com os pais que tanto brigavam. Ela dividia a cama com o pai. Sua mãe ficava na cama de solteiro que era para ser dela desde a vez que o pai fez de novo. A menina de oito ouviu o barulho. Barulho de saco de batata. Quando acendeu a luz, sua mãe no chão gemendo de dor chorando. Tinha sido empurrada da cama pelo pai. Gabriella só tinha doze. Se espantava com o que ouvia. Barulhos na madrugada de movimentos uniformes. Gabriella presenciava embaraçada no escuro. Sentia que a mulher estava sendo forçada. Abafada pela respiração arquejante. Sentia vergonha por atos que não eram seus. Se excitou por alguns minutos. Sua bexiga cheia. Comprimida. Comprimido. Imobilizou-se com os movimentos. Era um horrível espanto que parecia frequente. Choque. Choque! Dedos enfiados na tomada com os pés descalços.
No dia seguinte tentou olhar para a mãe sem sentir nojo, sem se lembrar. Sem saber daquilo que ninguém imaginava que soubesse. A chamaram para se divertir indo para a praia, mas não podia. Sua mãe a puxou escondido pedindo para que não fosse. Se fosse se divertir, a menina voltaria sem vê-la, nunca mais, em casa. Ameaças. Gabriella chorava. Não conhecia o mar. Ficou por mais de meia hora no quarto. Quarto dividido. Passando talco no rosto para disfarçar. A turma foi embora. Foram para a praia. E seus pais começaram a brigar. Gritar. Discutir. Derrubando panelas e copos e facas. Seu coração pulsava desordenado, desesperado, como a dona. A pequena dona de nove. Seu primo, com quem foi tanto apegada, foi preso. Ela tomava calmantes com sua mãe. No ano novo. Na véspera. Dez e meia. Seus pais a mandaram entrar enquanto ela fingia se divertir com as garotas falsas da rua. Todos haviam ouvido a gritaria de sua casa. Os gritos. Os fogos de artifício tão brilhantes e tristes vistos das frestras das janelas. No natal do outro ano decidiu ficar na casa de uma irmã mais velha. e trancou-se no banheiro. Viu a esperança fraternal falecer. Ir pro céu. Enquanto havia mais uma briga. Discussões na descoberta do adultério do "marido bom exemplo".  Mais uma data comemorativa com pijamas de lágrimas. Alegria do avesso das roupas mal lavadas. Nenhuma estampa. Nenhum emendo. Nenhuma frase de amor. Nenhum sorriso sincero... Uma vez ela se apaixonou. Paixão de doer. Escreveu o nome da pessoa elegida na palma da mão com caco de vidro. Pretexto. Depois riscou. Se escondia atrás da franja nos olhos. Se escondia atrás no sorriso amarelo na boca. Das piadas excessivas. Agora já era tarde demais. Não tomava mais os psicotrópicos. Tomava álcool. Choque choque choque! Garfo enfiado na tomada. Corpo nú no chão. Sua professora da terceira ou quarta série a humilhou quando Gabriella respondeu que chapeuzinho do vovô era o acento circunflexo. Tinha nove anos.
A garota da sétima que lhe deu o tapa na cara descobriu que estava errada. Mas já era tarde. Agora era tarde demais. De submissa e risonha Gabriella passou a ser histérica. ela quebraria  seu pescoço. A internaram. Ela não queria remédios. Nem choques. Apenas compreensão bastaria. Não. Não pílula. Não fila. Não choques. Apenas compreensão. Parar e piorar. Cometeram  mais um grave erro. Só um pouco de compreensão. As coisas pioraram. e pioraram. Ela tem hoje mais de vinte, mas quinze em pensamento. Foi com quinze que a internaram. Mais de vinte. E diz que quando crescer irá fazer faculdade de psicologia para poder entender quem ninguém entende. Para poder ajudar... Choques! Choques! Choques e vísceras pulsando. Abatidamente. O sanatório deteriorou tudo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário