segunda-feira, 22 de março de 2010

A paixão ...

Derniére anée de la faculté. Cheguei atrasada numa palestra de filosofia básica para acadêmicos. Me injuriei, assinei a lista de presença e fui embora. Ia ver Mônica Rodrigues em Diadema City. E fui.
Sentei num banco do tróleibus no lado da janela. Tinha um cheiro de mendigo lá. Não tampei o nariz, eu pensei: é isso que nós somos.
Peguei outro ônibus na outra estação. Sentei na janela. Sentou uma velha gorda do meu lado. Com ela veio um odor de genital mal lavada misturado com sabão em pedaço. Ela segurava com as duas mãos o ferro do banco da frente como se não tivesse equilíbrio algum e como se aquilo a protegesse de um acidente ou freiada forte. Suas unhas tinham esmalte escarlate saindo, descascado em todos os dedos. Mão enrugadas. Sentindo seu cheiro pensei: é isso o que somos. Vendo suas unhas pensei: E para que a vaidade escarlate? Que sentido faz?
Seu cheiro e o abafado do fim de tarde me faziam achar que estava comprimida à janela, mas não estava. Sua coxa esquerda estava colada à minha coxa direita,, e estava suada. Parecia que eu estava comprimida, mas não estava.
Finalmente levantou do banco e desceu. Com ela não foi todo o cheiro. Parecia que o banco exalava a presença que o ocupou. O abafado de fim de tarde, o banco que fedia a genital mal lavada, o banco do tróleibus que fedia a mendigo. Eu sentei no colo do mendigo. Eu toco na mão do mendigo e do criminoso quando pego no fone do orelhão. Quase sempre, quase sempre ...
Qualquer um que não tome banho terá aqueles cheiros. Cada um que use sabão em pedaço ou Jean-Paul Gautier.
Não evitei, sentei no mesmo banco que aquela mulher. É isso que nós somos. Me senti G.H.

Um comentário:

  1. "É isso que nós somos". Este cheiro fecal (e 'suor' nada mais é do que o odor de fezes) na maioria das vezes disfarçado pelo bom perfume. "É isso que nós somos". Esta carne que apodrece lentamente dentro de um belo traje. Apodrecemos todos, ocultos e explícitos, nas personas que frustradamente tentamos dissimular. Ao fim das contas, eu sou também o mendigo e o criminoso cujas mãos você toca. "É isso que nós somos".

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