sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Fim de Fevereiro

Com tantas coisas
me deixo ao luxo de
parar
Pra impensar
os segundos que escorrem 
da janela
No cheiro do gole
que agora me equivale a garrafa
quebrando minha cabeça
em mil e treze peças
teatrais
no corre-corre ignorante paulistanês
me dou ao luxo de.
Parar no trânsito
de minha vida renovada
das cartas vencidas
Pago minhas multas
sem sanar minha vontade
de atropelar
os carros da faixa de pedestres
Dou-me ao luxo 
do inevitável engarrafamento de existir
Mas ainda pegarei estradas
retas e desertas
onde o motorista bêbado
me ultrapassará com seu hálito
e capotará
Me dou ao luxo de.
Ser assassina com os pensamentos
enquanto morro de
pânico ao andar nas ruas
vazias como
a engenharia de nosso passado
estruturado por órfãs e fascínoras
salivando meu nome anônimo
que impensa
tão inutilmente 
como se pensasse.

Um comentário:

  1. É impressionante o modo como sua escrita tem evoluído com o passar do tempo, basta passear cronologicamente pelos textos do seu blog para perceber uma maturidade literária que se vai construindo a cada poema, a cada prosa. Este poema é um dos que mais atestam essa maturidade. Você, como escritora, tem percepções e sensibilidades positivamente incomuns ante a produção literária que encontramos nos meios virtuais e, indo um pouco mais longe, também nos pequenos grupos de intelectuais que encontramos por aí. Este poema é a reação da sensibilidade diante de um mundo que sufoca com seu automatismo individualista, vem questionar a realidade da vida pós-moderna paulista (e que poderia ser de qualquer outro lugar), apresentando de um modo irônico o indesejável da vida e do cotidiano. A representação espacial da cidade que corre e corre com seus autos reflete a sua própria experiência interior, numa espécie de exteriorização do interno e internalização do externo, em que a realidade tenta envolvê-la em sua movimentação desordenada, a mesma realidade que avança com seus espectros e atropela o transeunte nesta necessidade impensada de correr. O movimento de parar para refletir na ação poética (“dando-se ao luxo de”) firma a vitória do interno frente ao externo, expressa, portanto, a reação da sensibilidade, mostrando que você não deseja ser só mais uma peça na engrenagem do mundo, mas que se faz notar como sujeito transformador da realidade, um sujeito que sente, que pensa, que é, negando-se a ser autômato nesta pós-modernidade que se mergulha cada vez mais no anonimato da transitoriedade da vida.

    Ps.: Eu digo “você” porque não posso negar o caráter autobiográfico do poema, rs.

    É isso, parabéns e obrigada pelo poema, ele me fez refletir sobre o que me espera por aí rsrsrs!

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